domingo, 28 de julho de 2013

VÍTIMA CIVIL DE GOLPE MILITAR

Para Patápio Silveira, aquela sexta-feira 15 de novembro de 1889, era um dia esperado há muito tempo, pois era seu último dia de trabalho como empregado do correio. Tomou o café bem cedo e apressadamente beijou a esposa e a filha. Morava em Madureira, já naquela época importante subúrbio da Cidade Maravilhosa. — Tenho de apressar-me. Não fica bem chegar atrasado no meu último dia de serviço. — disse à esposa, vestindo o paletó azul marinho, parte do uniforme de trabalho. Tomou o trem para o centro do Rio. Ouviu comentários a respeito da situação precária em que se achava a Corte. Depois da Lei Áurea, editada em maio do ano anterior pela Princesa Isabel, o descontentamento dos proprietários rurais era grande e ficou difícil para Dom Pedro II formar gabinetes que satisfizessem a todos. — O Imperador perdeu as rédeas do governo. – Disse um senhor ao seu lado, dobrando um jornal que acabara de ler. — Fala-se num governo de emergência. — disse outro. — Seria melhor que o Imperador renunciasse. Ele não tem jeito para governar. Gosta mesmo é de viajar. — Falou um terceiro passageiro. Silveirinha (era assim que todos o tratavam) nada disse. Sabia que os preços dos gêneros estavam subindo muito e que uma crise estava acontecendo na Corte. Mas não estava preocupado com isto, e sim com seu último dia de trabalho. Ao chegar à repartição, cumprimentou os colegas e assumiu seu posto, encarregado que era da distribuição de cartas, jornais, revistas e pacotes aos carteiros que faziam a entrega nas ruas. Nos seus quarenta anos de serviço, conseguira subir diversos degraus na carreira: tendo começado como carteiro de rua, passou por diversos estágios e atualmente trabalhava confortavelmente numa sala grande e clara, cheia de escaninhos, correspondentes a ruas e praças do centro da cidade. Á tarde, no horário de encerramento, despediu-se dos colegas. Seu chefe imediato o cumprimentou: — Parabéns, seu Patápio. Nós sempre nos lembraremos de sua colaboração para o bom funcionamento desta repartição. Oxalá tivéssemos mais funcionários com a sua dedicação. Emocionado, Silveirinha agradeceu a todos e presenteou o carteiro mais novo com o quepe que usara por mais de quarenta anos. Saiu da repartição emocionado. Finalmente aposentado! Passou no bar da esquina para uma conversa rápida com alguns amigos do local e soube que havia pela cidade uma movimentação de tropas inusitada, que um marechal Deodoro havia feito uma proclamação e que o Imperador fora deposto. Entre os amigos, a conversa corria despreocupada, pois aquele assunto de Imperador, tropas e política não interessava muito ao povo em geral. Mal sabia ele, Silveirinha, que a trama do Destino o envolveria fatalmente naqueles acontecimentos. Dirigiu-se ao Campo de Santana, onde pretendia tomar o bonde para voltar ao lar. Não prestou atenção na movimentação das tropas: a cavalaria indo e vindo pelas ruas, gritos de comando militar, essas coisas próprias de um golpe de estado. Silveirinha avistou um cavalo caído no meio da rua. Curioso, aproximou-se, quando se deparou com uma briga entre um cadete e um oficial. Viu quando o cadete saca da arma e acertou no oficial. A confusão se estabeleceu, pois outras pessoas também haviam se aproximado do local. Assustado, Silveirinha correu. Viu um bonde se aproximando. Deu um pulo, na tentativa de alcançar o estribo do veículo que passava não muito rápido (os bondes eram geralmente lentos no centro da cidade). Errou o pulo. E inexplicavelmente resvalou para debaixo das rodas do veículo. Ferido mortalmente, ouviu, como num sonho evanescente, ali no leito de morte feito de trilhos, as exclamações da tropa: —VIVA A REPÚBLICA! VIVA A REPÚBLICA! <><><> A história narrada acima é real, o personagem existiu de verdade. O registro do fato serve para corroborar o que já se sabe: nos golpes militares no Brasil quem paga o pato são os civis, apesar de não serem sequer consultados para se manifestarem sobre as mudanças que tais golpes acarretam na sociedade paisana. ANTONIO GOBBO Belo Horizonte, 15 de março de 2011 Conto # 657 da Série Milistórias

quinta-feira, 11 de julho de 2013

PROJETO LITERÁRIO MILISTÓRIAS COMPLETA 14 ANOS

PROJETO LITERÁRIO MILISTÓRIAS COMPLETA 14 ANOS No dia 1º. De julho o Projeto Literário Milistórias completou 14 anos de funcionamento. O que era antes apenas um “projeto”, tornou-se uma entidade significativa na literatura nacional, graças à produção do escritor ANTONIO ROQUE GOBBO. Neste período conseguimos as seguintes relizações dentro do Projeto Literário Milistórias: Realizações do Projeto: Série Milistórias: Série de contos variados, assim chamada devido ao desiderato do autor, que é escrever mil contos, em um período de 20 anos, a partir de 2000. Em 1º de julho de 2013 a Série Milistórias já registrou 788 contos. Coleção Milistórias: Coleção autoral de livros com trabalhos de Antônio Roque Gobbo. Títulos já editados: Vol. 1 – A Loucura do Cristal edição ano 2001 Vol. 2 – A Babel da Torre edição ano 2003 Vol. 3 – O Espião de Bagdá edição ano 2003 Vol. 4 – Minha Doce Vampira edição ano 2004 Vol. 5 – O Fantasma dos Mares edição ano 2005 Vol. 6 – Legado Nuclear edição ano 2006 Vol. 7 – Inimigos Não Mandam Flores edição ano 2007 Vol. 8 – Senhora das Coroas edição ano 2010 Fanzine Milistórias Coleção de 6 fascículos com contos da Série Milistórias, editados no ano 2010 Milistórias On Line Clube Distribuição quinzenal através da Internet de da Série Milistórias, entre set/2007 e Nov/2011, com a divulgação de 85 contos a mais de 800 leitores em cada quinzena. Milistórias On Line Clube – Nova Série A partir de maio/2013 – Remessa quinzenal a um grupo de 160 conhecidos E-leitores Revista Eletrônica Milistórias Revista virtual mensal com contos da Série Milistórias, editada em 2012. Envida através da Internet a 200 leitores (assinantes) a cada mês. Site Oficial: http://Milistórias.com.br Blogs: WWW.milistoriasonline.blogspot.com.br/ WWW.antonioroquegobbo.blogspot.com.br/ WWW.milistorias2013.blogspot.com.br/

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

O RATO E O CARACOL

Era uma daquelas tardes preguiçosas de domingo na Fazenda Palmeiral. Mês de abril, os dias claros, ensolarados e frescos, com uma brisa prenunciando o tempo do frio que já começava.
Toniquinho e Artur passavam o sábado e o domingo na fazenda, vindos da cidade, o que faziam com frequência. Com Doralice, Carlinhos e Otavinho, brincavam pra valer, percorriam todos os recantos da propriedade, que, apesar do nome, era apenas um sítio de uns vinte e poucos alqueires.
Naquela tarde, tendo tomado o café com leite e quitandas de fubá, que tia Elvira servia com o maior orgulho de boa quituteira, eles estavam sentados nos degraus da escada que descia, saindo do alpendre e chegava até o jardim defronte à casa.
No alpendre fresco e cheio de vasos de folhagens pelo chão e xaxins de avencas e samambaias dependurados nos caibros e nas paredes, sentava-se Vovó Bia, quase sumida entre ao vergel das plantas. Fazia crochê, enfeitando a beirada de uma toalha de mesa. Silenciosa mas atenta observava os netos e a neta na algazarra própria da meninice.
Alpineu e Elvira também estavam sentados, conversando coisas da administração do sítio.
— Os ratos estão acabando com o milho do paiol. — Disse tia Elvira, que fiscalizava tudo com olhos de “dono que engorda o porco”.
— Amanhã, quando for entregar tijolos na cidade, passo na Casa Grilo e compro um veneno para acabar com essa rataiada.
Vovó Bia tirou os óculos e esfregou os olhos, como que proporcionando um descanso à vista.
—Ratos? É preciso cuidado, pois é uma peste. — Ela disse.
—Ai, vó, coitadinho dos bichinhos. — Falou Dorinha.
Artur entrou na conversa:
—Acho o Mickey um ratinho muito engraçadinho.
—O Mickey não é rato, seu bobo, é camundongo. — Toninho corrigiu o irmão.
—Não sou bobo não! Ele é um ratinho bem inteligente. — retrucou Arthur, meio ofendido.
—Meninos, meninos! Que é isso? — interveio vovó Bia. — Há ratos e ratos. Existem ratinhos bem simpáticos e inteligentes nos contos, mas têm também os ratos que ficam rondando nos lugares sujos e roendo nossas coisas. Esses são perigosos, pois além de roubar e estragar os alimentos, são transmissores de doenças.
— Vovó, a senhora sabe alguma historinha de ratos?— Indagou Doralice, sempre puxando assunto para que a avó contasse uma nova história.
—Ratos... ratos... vejamos. — Vovó Bia fazia-se de esquecida, mas, com certeza, já tinha na ponta da língua uma história.
—Ah! Sim, tem a história do rato e do caracol.
Os meninos e Doralice levantaram-se da escada, onde estavam sentados, e se aproximaram da poltrona onde vovó estava.
— Conta, conta...
— Sim, claro, vou contar. É uma fábula moderna, tenho certeza que vão gostar. Assentem-se por perto.
Aprumando o corpo, deixando o tricô de lado, na cestinha de crochê, ela começou.
— Certa manhã, um rato saiu em busca de comida. Cruzou com um caracol quando passou pelo jardim.
—Bom dia, caracol. — Disse o rato apressado, mas muito educado.
—Bom dia!— Respondeu o caracol, sem se mexer nem um pouquinho.
Muitas horas depois, após um dia exaustivo em que teve que correr de lá prá cá e de cá prá lá, a fim de caçar sua comida e escapar dos gatos, o rato voltou para casa, exausto.
Ao passar de novo pelo jardim, viu que o caracol nãohavia se movido mais do que dois metros. Parou perto do caracol e disse:
— Tenho muita pena do senhor, Seu caracol. Leva aí uma vida tão monótona, tão sem emoções. Muito ao contrário de minha vida: vivo em um dia aventuras que o senhor não consegue ter em toda a sua existência.
O caracol, que era muito culto, respondeu:
— Emérito rato, como tenho bastante tempo para observar e refletir, permita-me oferecer-lhe alguns dados comparativos entre nossas espécies, que talvez possam ajudá-lo a rever o seu ponto de vista. Caracóis têm casa própria enquanto que os ratos são escorraçados de todos os lugares aonde chegam. Caracóis vivem em jardins e ratos, em esgotos. O alimento dos caracóis está sempre ao alcance, enquanto ratos precisam caminhar horas e horas para encontrar comida. Por isso, caracóis podem passar o dia apreciando a natureza, ao passo que os ratos não podem se descuidar um segundo sequer. Então, não é por acaso que caracóis vivem cinco anos. Dois a mais do que os ratos.
— Isso é verdade, vovó?
— Sim, Otavinho, caracóis vivem mais do que ratos.
E voltando à história:
O rato ouviu tudo com atenção. E disse:
— É, o senhor tem razão, seu caracol. Tudo o que disse é verdade.
E num repente de raiva, por não ter como argumentar com o caracol, deu uma violenta patada sobre o caracol, esmagando-o contra o chão.
—Ai, coitadinho do caracol. — Exclamou Doralice.
—Ratos, além de tudo, são ferozes. — Disse Tia Elvira.
E Vovó continuou:
— Para sorte do caracol, o solo era fofo, e ele sobreviveu.
— Ai, que alívio! — suspirou Dorinha. — Mas que história mais triste, vovó.
— Esta é uma fábula que termina com um ensinamento, com uma moral da história. O caracol aprendeu uma lição que lhe seria útil pelo resto da vida.
— Que lição é essa, Vovó?
— Por mais razão que você tenha, nunca tente provar a um gabola, a alguém que se acha o máximo, que ele não é nada daquilo de que se gaba ser. Porque não há negócio pior do que oferecer sabedoria a quem só pode pagar com ignorância.
ANTONIO ROQUE GOBBO
Belo Horizonte, 6 de fevereiro de 2013.
Conto # 771 da Série Milistórias
Inspirado em crônica de Max Geringer



quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

JASÃO E OS ARGONAUTAS

Na cidade de Argos
-- Antes de começar, vamos ao templo de Atena, pedir sua permissão para a construção do barco. Sem a ajuda da deusa, nada se faz aqui no porto de Argos.
Argos, melhor construtor de barcos de toda a Grécia daqueles tempos, acabava de aceitar o trabalho de construir uma grande embarcação para Jasão.
Os dois homens, ambos altos e musculosos, com passos decididos se dirigiram ao templo. Atravessaram a cidade de Argos e chegaram até uma pequena colina, onde o templo se situava.
A viajem planejada por Jasão demandava um barco especial, pois a tripulação seria de meia centena de homens, e por certo seria demorada, por mares e lugares desconhecidos, a fim de resgatar seu direito ao trono de Iolco, importante cidade situada na Tessália.
— Quanto tempo levará a construção? — Indagou Jasão.
— Dentro de seis meses estará pronta. — Respondeu o construtor, conhecido pelo mesmo nome de sua cidade, famosa em toda a região helênica.
— Será tempo suficiente para contratar minha marinhagem e providenciar provisões. A viagem será longa e deverei levar bastante suprimento. — Comentou Jasão.
Missão Impossível
Jasão, filho de Esão e neto de Cronos, era o herdeiro, por direito de sucessão, ao trono da cidade de Iolco, fundada por seu avô.
Mas tanto o pai Esão quanto Jasão foram enganados por Pélias, filho caçula de Cronos Ésão havia sido destronado por Pélias, que usurpou o trono e reinava absoluto. Jasão, exilado na Tessália, retornou ao atingir a maioridade para reclamar ao trono que por direito lhe pertencia.
Para se ver livre das constantes ameaças de Jasão, no sentido de recuperar o trono à força, Pélias propôs ao jovem sobrinho um desafio:
— Abandono imediatamente o trono no dia em que você me trouxer o Tosão de Ouro.
Esta é uma missão impossível – pensou Pélias. –Jasão jamais conseguirá roubar o Tosão.
A história do carneiro de lã de ouro.
Pélias tinha razão em pensar que Jasão jamais conseguiria realizar tal proeza. O Tosão de Ouro, também conhecido como Velo de Ouro, que é guardado, muito bem guardado, por um dragão invencível no santuário do deus Ares, no remoto país de Quólquida, situado no extremo leste do Mar Negro, dá origem a uma das mais intrigantes histórias do mundo antigo.
Segundo a lenda, Frixo, enteado de Atamante, devido às intrigas da sua madrasta, fugira da Grécia com a irmã Hele nas costas de um carneiro cujo pêlo era de ouro. Na passagem da Europa para a Ásia, Hele morreu ao cair no mar, no local que passou a ser conhecido por Helesponto. Frixo seguiu na fuga desesperada, pois sabia dos poderes da madrasta, e chegou à região conhecida como Cólquida, onde, obedecendo a um oráculo, sacrificou o carneiro e ofereceu seu couro com a pelagem de ouro a Ares.
A pele foi dependurada no templo e Eetes, rei da Cólquida jurou que o Velo de Ouro jamais sairia dali.
Este juramento iria causar problemas ao rei, pois foi vaticinado por um oráculo que ele, rei Eetes, morreria se o Velo de Ouro fosse roubado ou, de qualquer forma, desaparecesse.
Eetes, que além de cruel era precavido, ordenou a morte de todos os estrangeiros na Cólquida e proibiu a entrada na cidade de estrangeiros ou qualquer pessoa que não tivesse sua autorização expressa. Além disso, cercou o templo com um muro e colocou guardas sagazes, ao mesmo tempo em que mandou espalhar noticias falsas, segundo as quais havia, em volta do santuário, touros que soltavam fogo pelas ventas e por um animal terrível, gigantesco, que nunca dormia, chamado Drakon.
Os Argonautas
Jasão, de espírito aventureiro, ao aceitar o desafio do tio usurpador Pélias e sabendo que a empreitada seria muito, muito difícil, organizou a expedição convocando aproximadamente cincoenta valorosos e destemidos jovens todos conhecidos como heróis de outras façanhas. Cada um deles tinha uma habilidade, que desempenharia com função especifica na expedição.
A Orfeu, por exemplo, que tinha o dom da música, coube a tarefa de cadenciar o trabalho dos remadores e de, principalmente, sobrepujar com sua voz, o canto das sereias que seduziam os navegantes. Tífis, discípulo de Atena na arte da navegação foi designado piloto. Morto na Bitínia, foi substituído por Ergino, filho de Posídon. Castor e Pólux, gêmeos filhos de Zeus e Leda, atraíram a proteção do pai durante a tempestade que a nau foi obrigada a enfrentar. Teseu , considerado o maior herói grego.havia matado o Minotauro; Hércules, filho de Zeus, famoso pelos doze trabalhos, que não completaria a expedição; e muitosoutros,valorosos e destemidos herois das sagas da mitologia.
O construtor da nau, Argos, em cuja homenagem a nau recebeu seu nome, também quis entrar na aventura e arrastou consigo Talau, seu pai, que era o rei de Argos e sequioso de aventuras.
Os tripulantes ficaram famosos e conhecidos na história como Argonautas.
A Viagem
Na primeira escala, os argonautas aportaram na ilha de Lemos, onde moravam apenas mulheres. Elas tinham ofendido Afrodite, negando-lhe o culto. A Deusa castigou-as com um cheiro insuportável, deforma que seus maridos partiam para buscar escravas na Trácia. Movidas pelo ódio e pelo despeito, assassinaram seus esposos, instalando na ilha uma espécie de república feminina, situação que perdurou até a chegada dos argonautas. Aventureiros e privados de mulheres, pois a tripulação era toda masculina, o inevitável aconteceu: engravidaramtodas as mulheres de Lemos, não obstante oterrível mau cheiro que exalavam.
Na ilha de Samotrácia, segunda escala do grupo, se iniciaram nos mistérios dos Cabiros com o intuito de obter proteção contra naufrágios.
No percurso da sua viagem, à procura de Cólquida, Jasão dirigiu-se para o norte, e foi o primeiro navegante helênico a atravessar o Helesponto, ou seja, o estreito hoje conhecido como Bósforo.
Ancoraram na península da Propôntida, no país dos doliones, povo governado pelo rei Cízico. Foram ali recebidos com festas e honrarias e já se fazia noite quando os argonautas partiram para Mísia. Porém, foram obrigados a retornar devido a uma grande tempestade que se abateu sobre eles. Odia se fez noite e a escuridão era total. Os argonautas não foramreconhecidos pelos doliones, devido à escuridão da tormenta e da noite que descera, pensando tratar-se de invasores, atacaram-nos. Instalou-se uma sangrenta batalha. Com o amanhecer, os vitoriosos tripulantes de Argo verificaram o triste engano. Jazia entre os mortos, o rei Cízico, que foi enterrado porJasão e seus companheiros com homenagens e magnificos funerais.
Em Cólquida
Enfim, depois dessas aventuras e desventuras em busca do Tosão de Ou, Jasão e os Argonautas chegaram à Cólquida, reino de Eetes.
Cruel, sanguinário e astucioso, o rei permitiu o ingresso de Jasão e seus companheiros na cidade e, já sabedor dos intuitos do aventureiro, impôs-lhe algumas tarefas. Tinha certeza de que os trabalhos, impossíveis de serem levados a termo, dariam cabo de Jasão.
— Quando você cumprir esses trabalhos, o Tosão de Ouro será seu.
As tarefas, aparentemente impossíveis para homens normais, eram: arar um campo com os touros que cuspiam fogo, os mesmos que vigiavam o templo de Ares: semear nesse campo arado os dentes de Drakon, outra fera que vigiava o templo; lutar contra um exército que iria brotar dos dentes do dragão que ele mesmo, Jasão, havia semeado..
— Tenho certeza que numa dessas, Jason será eliminado. — disse o rei Eetes à sua filha Medéia.
Medéia
Ora, Medéia, filha única do rei, conhecida por suas habilidades na arte da feitiçaria, apaixonou-se perdidamente por Jasão, e por isso, não mediu esforços para auxiliá-lo nas árduas tarefas que o rei havia imposto como condição para entregar-lhe o Velo de Ouro. Jasão, por sua vez, não teve escrúpulos em tirar proveito da paixão de Medéia.
Medeia levou os argonautas ao santuáriode Ares, que ficava a setenta estádios de Síbaris, a cidade que tinha o palácio dos reis da Cólquida. Usando de seus poderes mágicos, ela falou com os guardas na misteriosa língua da Táurida e estes abriram os portões para os argonautas.
Não houve luta, apenas um entrevero no qual os astronautas mataram vários guardas e afugentaram os demais. Enquanto isto, Medeia matou o dragão que nunca dormia,usando venenos e fórmulas de feitiçaria e foi se encontrar com Jasão. Dentro do templo, os aventureiros pegaram o velo e fugiram para o barco, o Argo.
Eetes, alertado pelos guardas em fuga, atacou os gregos, e matou Ífito, irmão de Euristeu, o rei que havia imposto os doze trabalhos a Hércules, porém na luta foi morto por Meleagro.
Os argonautas, apesar de alguns feridos, derrotaram os soldados de Estes e conseguiram fugir, levando a pelagem de fios de ouro como troféu e Medéia, que se apaixonara perdidamente por Jasão.
Pélias, o cruel
Enquanto Jasão viajava embusca do Tosão de Ouro, Pélias, o rei de Iolco, continuava perseguindo a famíliade Jasão. Tentou matar Esão, pai de Jasão, mas este, desgostoso com a ausência do filho e com a perseguição de Pélias, se suicidou. Em seguida, também a mãe de Jason se suicida,enforcando-se.
Esão tinha outro filho, Promaxo, que foi assassinado a mandado de Péleas. Mas a crueldade de Péleas iria lhe valer uma morte trágica, como se verá.
A Saga continua
Mas aventuras de Jasão estavam longe do final. Ventos vindos do sul empurraram o Argo para o oeste, levando-o à embocadura de um largo rio, conhecido pelos gregos como Rio Ister (hoje chamado de Danúbio), pelo qual Jasão e seus companheiros se aventuraram. Para oeste, sempre para oeste, passaram pela Dalmácia e chegaram ao Mar Adria (Adriático). Onde não havia curso de água para o trafego do Argo, a nau era transportada sobre roletes e toras redondas de madeiras, num trabalho impossível para simples mortais mas que os herois poderosos da expedição realizavam com facilidade.
Navegaram pelo Adria, subiram pelo Rio Pó. Atravessaram os Alpes rumo ao norte, passaram por terras de selvagem loiros e guerreiros ferozes e viajaram para o sul, pelo Rio Rone (Ródano) embusca do mar. Navegando pelo Mar Therrekestas(Tirreno) , rumo ao sul, passaram pelo estreito entre a Ilha Estellis (Sicilia) e a ponta da bota da peninsula itálica.
Uma tormenta açoitou Argo, o barco, quando atravessavam o Mediterrâneo, rumo à costa Africana. Aportaram na costa libia e transportaram o barco pelas areias do deserto por uma distância incrível, até atingirem o lago Tritonis (Tripoli). Dali, fizeram-se novamente ao mar e viajando para o leste atingiram Chipre, a ilha mais ao sul da patria grega.
Entre centenas de ilhas, os argonautas viajaram agora rumo ao norte, por águas conhecidas, indo diretamente a cidade de Iolco, onde Pélias, o ursurpador ainda reinava.
Doze anos haviam se passado desde a partida de Jasão. A sua chegada, acompanhado pelos argonautas(desfalcados por mortes e baixas) foi motivo de alvoroço na cidade e causou medo a Pélias.
Jasão ficou sabendo então da morte de seus pais. Irado, dirigiu-se ao palácio de Pélias. Jogando o pêlo de fios de ouro aos pé do impostor, gritou:
— Assassino de meus pais, eis aí o Tosão de Ouro. Agora, cumpra sua palavra e me devolva o trono de Iolco.
Pélias, que já tinha Jasão como morto, relutou em devolver o trono. Mas os argonautas invadiram o palácio e prenderam Pélias, que foi desterrado. Sabe-se que, longe do poder, as filhas de Péleas, incoformadas, mataram o próprio pai.
Jasão assumiu o trono de Iolco, fazendo de Medéia sua esposa a companheira real.
Mas por pouco tempo. Cansado de tantas viagens e desiludido com o exercício de poder, abdicou do trono e retirou-se para Corinto.
Por dez anos viveu com Medeia. Ao fim dos quais, vitima de feitiços e tentações, apaixonou-se por Glaucia, filha de Creonte, o rei de Corinto.
Medéia não se conformou. Mulher detentora de poderes ocultos e mágicos, vingou-se da separação de Jasão, matando Glaucia e seus próprio filhos, que tivera com Jasão.
Os últimos dias de Jasão
Desiludido, Jasão passou a viver em uma propriedadeà beira mar. Jason amava o mar, que era parfa ele como que mais umcompanheiro de aventuras. Durante longas horas passeiva pela praia, em melacólicas lembranças de suas aventuras e desventguras. Gostava de nadar eia atélonge da costa em braçadas vigorosas, apesar da idade.
Numa clara manhã, enquanto nadava, Jasão foi atingido mortalmente na cabeça por uma prancha de madeira , resto de uma nau há muito naufragada.
Em um dos lados da prancha carcomida pelo sal da água do mar e pelo longo tempo de exposição às intempéries, podia-se ler:
ARGO
Jasão encontrou-se com a morte nos restos da embarcação que fizera parte da época mais importante de sua vida.
Antonio Roque Gobbo
Belo Horizonte, 03.02.2013
Conto # 770 da Série Milistórias



domingo, 3 de fevereiro de 2013

A GUERRA DOS SINOS

Quando o sol desponta sobre a imensa planície, exatamente às seis da manhã, os habitantes da cidade de Santa Isabel são despertados pelos sinos da igreja de santa padroeira que dá nome à cidade. Com a mesma pontualidade com que anuncia a matinada, o meio-dia e as seis da tarde, eles vibram todos os dias, levando os sons claros e alegres através das campinas, até se encontrarem com as coxilhas distantes, onde perdem a força e esmaecem no espaço.

São sinos importados, doados por dona Zilá Camargo, patrona de todas as iniciativas do Padre Bermauganter (ou padre Berma, como é tratado carinhosamente por seus paroquianos) e instalados na torre na década de 1950.

A população da cidade, constituída quase que exclusivamente de descendentes de imigrantes italianos e alemães, de elevado espírito religioso, frequenta uma das duas igrejas locais: a Igreja de Santa Isabel, católica, e Igreja Evangélica, cujos serviços são de responsabilidade do Pastor Oliveira Bastos.

A instalação de sinos na torre da Igreja Evangélica constituiu um grande momento de alegria para os evangélicos, e também para muitos católicos, já que as relações são mantidas em um nível de muita compreensão e entendimento.

Da mesma forma que os sinos da Igreja de Santa Isabel, os da Igreja Evangelista tocam três vezes ao dia: às seis e meia, meio e dia e seis da tarde. Igualmente pomposos, a sonoridade pode ser notada até muitos quilômetros de distância do centro da cidade.

Nos últimos tempos, entretanto, os sons dos sinos, tão agradáveis e por vezes nostálgicos, passaram a ser motivo de queixas da população. É que tanto os sinos da igreja católica como da igreja batista começaram a ser acionados por dois, três e até cinco minutos. Cada igreja foi aumentando o tempo, à medida que a outra aumentava.

Se por vinte ou trinta segundos já fazem bastante barulho na praça central, imagine-se o blém-blém-blem ou o dão-balão-dão-dão por mais de um minuto, ao mesmo tempo e acima das cabeças dos moradores e dos que transitam pela praça.

Houve reclamações mas ninguém se atreveu a falar com o padre ou com o pastor. Foi preciso a intervenção da Justiça, no sentido de aliviar os habitantes centrais de tamanha balburdia campanal.

A nova regra foi definida após reuniões com o Ministério Público: as igrejas católica e evangélica se comprometeram em reduzir para mais ou menos 40 segundos o tempo das badaladas de seus sinos.

O Pastor Bastos nada falou, apenas colocou em prática o acordo firmado.

Já o padre Berma, como todo bom alemão diante de uma ordem, obedeceu, mas reclamou:

— As sinas tem de tocar muito. Se as sinas não tocarrem, como os católicos van saber que horras son?

Até dona Zilá, a doadora dos Sinos, não se conteve ante tal disparate.

Ai! padre Berma, tenha santa paciência!

ANTONIO ROQUE GOBBO
Belo Horizonte, 23 de janeiro de 2013
Conto #767 da Série Milistórias.

NADANDO NO POÇO DO GUDIM


Francisco Godinho era o nome que poucas pessoas sabiam, pois sempre fora conhecido como Seu Gudim e como Seu Gudim haveria de morrer. Sua propriedade rural começava nos limites da cidade, confrontando com o Matadouro Municipal e com o sítio de tio Geraldo.

O nome (nem o apelido) não correspondia ao homenzarrão cuja carantonha ficava meio escondida pela barba cerrada e pelos cabelos compridos. Homem de difícil trato, não era bom vizinho e nem mesmo para se ter como amigo. Aliás, coisa que ele não tinha. Diziam que já matara dois desafetos, mas ninguém se atrevia a divulgar ou pesquisar o caso, por medo do que pudesse descobrir, envolvendo o feroz proprietário rural.

Num canto de sua propriedade havia uma grota de onde minava um manancial de água límpida, o qual formava um poço antes de serpentear pelos campos afora.

O poço “do Gudim” ficava num lugar sombreado, ao qual se chegava pela estrada particular que passava pela fazenda do seu Gudim. Era um lugar gostoso, perto da cidade, preferido para passar as tardes de calor, enforcando aulas ou simplesmente fugindo para nadar.

Certa ocasião, antes, muito antes do nosso tempo, seu Gudim mandara fechar a estrada com arame farpado, o que fora a causa da morte de um ciclista desavisado que fugia em desabalada pedalação, não viu os fios, bateu nos arames farpados e teve jugular cortada. Morreu ali mesmo. (1)

Tenho desconfiança que tanto esta história como a da morte de dois inimigos, eram passadas para amedrontar a meninada, afim de não ir nadar no Poço do Gudim.

O dono do lugar não gostava da garotada passando por ali, espantava-os usando uma arma que cuspia sal, só fazia barulho e nenhum mal. Mas nós não sabíamos que o tiro era só para espantar.

Mesmo assim, o local era muito frequentado. Seu Gudim, numa mostra de quanto ruim era, mandava seus empregados jogar cacos de garrafas quebradas, no poço, a fim que os meninos não fossem ali nadar.

Era pura maldade que bem refletia a personalidade do dono.

Mas quem segura os garotos, inda mais quando se reúnem em turma, dispostos a tudo por uma aventura?

Então, o jeito era catar os cacos de garrafas, visíveis das margens do poço, antes de entrar para brincar. Raimundinho, filho do tio Geraldo, que morava no sítio ao lado, levava um saquinho de tecido fino, que montava numa vara de bambu e com ele apanhava os cacos de vidro, antes que a água ficasse turva.

Pois foi o próprio Raimundinho que cortou o pé nos cacos de vidro. Quando chegou em casa, não houve como esconder o talho feio na sola do pé.

O pai virou uma fera.

— Era só o que me faltava! Você, justamente você, nadando no poço do Gudim. Você não sabe que o homem não gosta. Quando souber, vai ter encrenca, pois além de tudo é nosso vizinho de cerca.

A mãe, enquanto desinfetava o pé e fazia um curativo com pomadas e ervas caseiras, foi pedido ao marido:

— Calma, Geraldo, calma. O Raimundinho promete que não volta lá, não é mesmo. filho?

E avisando o marido com energia:

— Não vá comprar briga com Seu Gudim, que aquilo é pura cascavel.

Tio Geraldo ficou remoendo a questão. Daí a alguns dias, sem falar com a esposa o que havia decidido, avisou-a:

— Amanhã vou falar com Seu Gudim a respeito dessa porcaria de poço.

E foi.

Depois dos rapapés de praxe entre os dois vizinhos, tio Geraldo entrou logo no assunto:

— Seu Gudim, sei que o senhor vive aborrecido com esse pessoalzinho, essa garotada que não sai aí da grotinha, nadando no pocinho.

O homenzarrão parecia estar num dia de bom astral. Respondeu com educação.

— É verdade. Apesar de tomar minhas providências, a garotada não para de me amolar. Aliás, ouvi dizer que outro dia um garoto cortou o pé nos cacos de garrafa...

— Pois é. Sei que o senhor colocou uma cerca a fim de que o seu gado entre pela grota e se perca.

— Intão não é, seu Geraldo? Até já perdi duas vaquinhas, que foram por ali beber água, escorregaram no lajeado e caíram no poço. Morreram. Isso foi antes de eu cercar o poço.

— Pois, cumpadre, (naqueles tempos, era um tratamento de respeitosa intimidade) vim lhe oferecer um negócio que vai acabar com essa amolação. Quero comprar aquela beirada, com o capãozinho e o pocinho.

— Uai, seu Geraldo, no que é que o senhor tá pensando?

— Tenho uma ideia de canalizar aquela água pras bandas do espraiado, e fazer uma plantação de arroz irrigado.

— Arroz irrigado? Onde é que já se viu?

— Vi no Rio Grande, nas beiras da Lagoa dos Patos. Como o senhor sabe, faz uns dois anos, viajei pro sul e vi muita novidade.

Francisco Godinho era homem que só acreditava vendo. Não colocou atenção no dito pelo vizinho. Mas pensava rápido. Por isso, retrucou à proposta do Geraldo Lemes:

— Vender, num vendo, que terra a gente só compra. Mas seu o senhor está mesmo interessado naquela grota que prá mim não serve prá nada, troco por aquele pastinho que o senhor tem atrás da grotinha. Prá mim serve a fim de botar umas cabeças a mais de gado no tempo da seca.

Tio Geraldo, que antes ainda se preocupava com a segunda parte da proposta, que era o pagamento, se fosse aceita a sua proposta, também foi rápido na decisão. Como não iria rolar dinheiro, achou que valia a pena e disse:

— Negócio fechado, cumpadre.

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As obras desvio do ribeirão que saía do poço do Gudim nunca foram iniciadas. Por outro lado, os garotos (Raimundinho à frente) puderam, dali prá frente, brincar no poço, definitivamente limpo de cacos de garrafas, da cerca de arame farpado e do mau humor do seu Gudim.

Só não se conseguiu foi mudar o nome do poço.



(1)Ver conto #149-As três cruzes



ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 22 de janeiro de 2013

Conto # 766 da Série Milistórias







SACI PRESO NA PENEIRA


Os psicólogos e educadores dos tempos atuais— primeira década do século 21 — estigmatizam a educação das crianças de há 60 ou 70 anos atrás. Dizem que as histórias infantis daquela época – Branca de Neve, Joãozinho e Maria, Chapéuzinho Vermelho, entre outras — são histórias de terror, de medo, de suspense e que podem ser a causa de muitos problemas psicológicos dos adultos de hoje.

Sem falar nas canções de ninar— Atirei o Pau no Gato, Dorme Nenê Senão a Cuca Vem te Pegar, etc. — seriam politicamente incorretas ou totalmente inadequadas para as crianças de então.

Ledo engano. Minha geração e outras que foram criadas ouvindo aquelas histórias e cantando essas canções, é muito mais equilibrada do que as posteriores. Sem falar nos desafios que eram propostas nas intimidações com o fito de evitar que crianças fizessem “artes”. Mas quanto maior a proibição ou a ameaça, mais a gente sentia vontade de fazer o que eram consideradas diabruras infantis.

O que era lenda para os adultos era pura realidade para nós, crianças. Havia, entre outras, a história misteriosa do Saci Pererê, pretinho de uma perna só, barrete vermelho na cabeça e cuja presença era anunciada por assobios, trocava as coisas de lugares, escondias os objetos de uso mais constante e confundia as pessoas Diziam até que fazia os idosos se esquecerem de onde tinham colocados os óculos ou as dentaduras.

— Tomem cuidado! Quando ouvirem um assobio dentro de um redemoinho, o Saci tá lá!

E tinha mais. Havia a possibilidade de prender o Saci.

— É só jogar uma peneira na direção de onde vêm os assobios que ele fica preso debaixo da peneira.

Como era praticamente impossível a tríplice conjunção — ter uma peneira à mão quando passasse um redemoinho e ouvir os assobios do Saci, prender o pretinho era inimaginável.

Além do medo. Imagine, prender o Saci! Quando ele escapulisse, na certa iria se vingar.

Mas... quem pode com criança?

Anselmo era corajoso, o mais atrevido da turma. E foi numa tarde quente, no quintal de sua casa, que tudo aconteceu. Jogávamos bolinhas de vidro, num brinquedo chamado gude no terreno limpo. Dona Helena tinha acabado de lavar a peneira usada na cozinha e a colocara a secar sobre um banco rústico. Peneira de taquara, de treliça fechada.

Somente nós quatro, Anselmo, eu, Daniel e Juquinha, garotos de dez ou onze anos. A gente discutia todos os lances do jogo, quando passou por nós um pé de vento, zunindo, trazendo poeira e folhas secas.

Em seguida, ouvimos sons no meio do redemoinho. Pareciam assobios.

— Viche Maria! — Gritou Anselmo — É o Saci!

— Corre gente! — Gritei, e comecei a correr. Os outros me seguiram, menos Anselmo, que gritou:

— Vou pegar ele!

Quando olhei para trás, vi Anselmo pegando a peneira e jogando-a sobre o local de onde partiam os sons.

Paramos, os três que corriam. Anselmo pulava de um lado para o outro rodeando a peneira, que, por força do vento, balançava nas beiradas. E gritava:

— Peguei! Peguei! O Saci tá preso!

Parece que os assobios se intensificaram. Era uma barulheira, misturada com os gritos de Anselmo. Escondi atrás do tronco grosso da laranjeira. Juquinha e Daniel agacharam-se atrás do tanque de lavar roupa.

Os momentos daquela parafernália de sons duraram, para nós, uma eternidade, até que os ruídos foram sumindo e a peneira se aquietou sobre o chão.

Com o silêncio, o suspense aumentou.

— Ele tá lá debaixo, esperando alguém tirar a peneira pra ele sair. — Disse Daniel.

Anselmo se juntou a nós, agora sim, com medo da raiva de Saci quando ficasse solto. Todos tremíamos que nem varas verdes, de terror.

— Vamos prá dentro de casa. Lá ele não entra.

Entramos na cozinha. Dona Helena desconfiou de que alguma coisa havia acontecido.

— Ces tão com cara de quem aprontou. Que foi que fizeram no quintal?

— Nada não, mãe. — Disse Anselmo.

— Sabe, dona Helena...? A gente tava brincando... aí o Saci chegou num pé de vento...

— Que besteira é essa?

— Juro! Até ficou preso...

— Ara, vamos lá ver que vocês aprontaram.

Anselmo, ainda com medo (e ele era o mais corajoso da turma) disse:

— Não mãe, deixa prá lá. Amanhã a gente tira... ele tá debaixo da peneira.

— Peneira? Que é que vocês fizeram com a minha peneira?

Sem esperar resposta, dona Helena saiu para o quintal. Nós fomos atrás.

Ela viu a peneira no chão do quintal.

— Seus porqueiras! — e assim dizendo, pegou a peneira do chão.

Quando vimos que nada havia debaixo da peneira, ficamos aliviados.

— Olha só, tinha lavado a peneira, agora tá suja de terra. Que foi que vocês fizeram?

E sem esperar resposta, pegou Anselmo pelo cangote e deu-lhe alguns puxões de orelhas.

— E vocês, cambadinha, vão procurar o Saci nas suas casas.

É claro que ninguém espalhou a história – um tanto pelo medo que passamos, outro tanto pela reprimenda de Dona Helena, que nunca soube que, sem querer, tinha liberado o Saci da sua prisão, debaixo da peneira.



ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 17 de janeiro de 2013

Conto # 765 da Série Milistórias