domingo, 28 de julho de 2013

VÍTIMA CIVIL DE GOLPE MILITAR

Para Patápio Silveira, aquela sexta-feira 15 de novembro de 1889, era um dia esperado há muito tempo, pois era seu último dia de trabalho como empregado do correio. Tomou o café bem cedo e apressadamente beijou a esposa e a filha. Morava em Madureira, já naquela época importante subúrbio da Cidade Maravilhosa. — Tenho de apressar-me. Não fica bem chegar atrasado no meu último dia de serviço. — disse à esposa, vestindo o paletó azul marinho, parte do uniforme de trabalho. Tomou o trem para o centro do Rio. Ouviu comentários a respeito da situação precária em que se achava a Corte. Depois da Lei Áurea, editada em maio do ano anterior pela Princesa Isabel, o descontentamento dos proprietários rurais era grande e ficou difícil para Dom Pedro II formar gabinetes que satisfizessem a todos. — O Imperador perdeu as rédeas do governo. – Disse um senhor ao seu lado, dobrando um jornal que acabara de ler. — Fala-se num governo de emergência. — disse outro. — Seria melhor que o Imperador renunciasse. Ele não tem jeito para governar. Gosta mesmo é de viajar. — Falou um terceiro passageiro. Silveirinha (era assim que todos o tratavam) nada disse. Sabia que os preços dos gêneros estavam subindo muito e que uma crise estava acontecendo na Corte. Mas não estava preocupado com isto, e sim com seu último dia de trabalho. Ao chegar à repartição, cumprimentou os colegas e assumiu seu posto, encarregado que era da distribuição de cartas, jornais, revistas e pacotes aos carteiros que faziam a entrega nas ruas. Nos seus quarenta anos de serviço, conseguira subir diversos degraus na carreira: tendo começado como carteiro de rua, passou por diversos estágios e atualmente trabalhava confortavelmente numa sala grande e clara, cheia de escaninhos, correspondentes a ruas e praças do centro da cidade. Á tarde, no horário de encerramento, despediu-se dos colegas. Seu chefe imediato o cumprimentou: — Parabéns, seu Patápio. Nós sempre nos lembraremos de sua colaboração para o bom funcionamento desta repartição. Oxalá tivéssemos mais funcionários com a sua dedicação. Emocionado, Silveirinha agradeceu a todos e presenteou o carteiro mais novo com o quepe que usara por mais de quarenta anos. Saiu da repartição emocionado. Finalmente aposentado! Passou no bar da esquina para uma conversa rápida com alguns amigos do local e soube que havia pela cidade uma movimentação de tropas inusitada, que um marechal Deodoro havia feito uma proclamação e que o Imperador fora deposto. Entre os amigos, a conversa corria despreocupada, pois aquele assunto de Imperador, tropas e política não interessava muito ao povo em geral. Mal sabia ele, Silveirinha, que a trama do Destino o envolveria fatalmente naqueles acontecimentos. Dirigiu-se ao Campo de Santana, onde pretendia tomar o bonde para voltar ao lar. Não prestou atenção na movimentação das tropas: a cavalaria indo e vindo pelas ruas, gritos de comando militar, essas coisas próprias de um golpe de estado. Silveirinha avistou um cavalo caído no meio da rua. Curioso, aproximou-se, quando se deparou com uma briga entre um cadete e um oficial. Viu quando o cadete saca da arma e acertou no oficial. A confusão se estabeleceu, pois outras pessoas também haviam se aproximado do local. Assustado, Silveirinha correu. Viu um bonde se aproximando. Deu um pulo, na tentativa de alcançar o estribo do veículo que passava não muito rápido (os bondes eram geralmente lentos no centro da cidade). Errou o pulo. E inexplicavelmente resvalou para debaixo das rodas do veículo. Ferido mortalmente, ouviu, como num sonho evanescente, ali no leito de morte feito de trilhos, as exclamações da tropa: —VIVA A REPÚBLICA! VIVA A REPÚBLICA! <><><> A história narrada acima é real, o personagem existiu de verdade. O registro do fato serve para corroborar o que já se sabe: nos golpes militares no Brasil quem paga o pato são os civis, apesar de não serem sequer consultados para se manifestarem sobre as mudanças que tais golpes acarretam na sociedade paisana. ANTONIO GOBBO Belo Horizonte, 15 de março de 2011 Conto # 657 da Série Milistórias

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