sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

O RATO E O CARACOL

Era uma daquelas tardes preguiçosas de domingo na Fazenda Palmeiral. Mês de abril, os dias claros, ensolarados e frescos, com uma brisa prenunciando o tempo do frio que já começava.
Toniquinho e Artur passavam o sábado e o domingo na fazenda, vindos da cidade, o que faziam com frequência. Com Doralice, Carlinhos e Otavinho, brincavam pra valer, percorriam todos os recantos da propriedade, que, apesar do nome, era apenas um sítio de uns vinte e poucos alqueires.
Naquela tarde, tendo tomado o café com leite e quitandas de fubá, que tia Elvira servia com o maior orgulho de boa quituteira, eles estavam sentados nos degraus da escada que descia, saindo do alpendre e chegava até o jardim defronte à casa.
No alpendre fresco e cheio de vasos de folhagens pelo chão e xaxins de avencas e samambaias dependurados nos caibros e nas paredes, sentava-se Vovó Bia, quase sumida entre ao vergel das plantas. Fazia crochê, enfeitando a beirada de uma toalha de mesa. Silenciosa mas atenta observava os netos e a neta na algazarra própria da meninice.
Alpineu e Elvira também estavam sentados, conversando coisas da administração do sítio.
— Os ratos estão acabando com o milho do paiol. — Disse tia Elvira, que fiscalizava tudo com olhos de “dono que engorda o porco”.
— Amanhã, quando for entregar tijolos na cidade, passo na Casa Grilo e compro um veneno para acabar com essa rataiada.
Vovó Bia tirou os óculos e esfregou os olhos, como que proporcionando um descanso à vista.
—Ratos? É preciso cuidado, pois é uma peste. — Ela disse.
—Ai, vó, coitadinho dos bichinhos. — Falou Dorinha.
Artur entrou na conversa:
—Acho o Mickey um ratinho muito engraçadinho.
—O Mickey não é rato, seu bobo, é camundongo. — Toninho corrigiu o irmão.
—Não sou bobo não! Ele é um ratinho bem inteligente. — retrucou Arthur, meio ofendido.
—Meninos, meninos! Que é isso? — interveio vovó Bia. — Há ratos e ratos. Existem ratinhos bem simpáticos e inteligentes nos contos, mas têm também os ratos que ficam rondando nos lugares sujos e roendo nossas coisas. Esses são perigosos, pois além de roubar e estragar os alimentos, são transmissores de doenças.
— Vovó, a senhora sabe alguma historinha de ratos?— Indagou Doralice, sempre puxando assunto para que a avó contasse uma nova história.
—Ratos... ratos... vejamos. — Vovó Bia fazia-se de esquecida, mas, com certeza, já tinha na ponta da língua uma história.
—Ah! Sim, tem a história do rato e do caracol.
Os meninos e Doralice levantaram-se da escada, onde estavam sentados, e se aproximaram da poltrona onde vovó estava.
— Conta, conta...
— Sim, claro, vou contar. É uma fábula moderna, tenho certeza que vão gostar. Assentem-se por perto.
Aprumando o corpo, deixando o tricô de lado, na cestinha de crochê, ela começou.
— Certa manhã, um rato saiu em busca de comida. Cruzou com um caracol quando passou pelo jardim.
—Bom dia, caracol. — Disse o rato apressado, mas muito educado.
—Bom dia!— Respondeu o caracol, sem se mexer nem um pouquinho.
Muitas horas depois, após um dia exaustivo em que teve que correr de lá prá cá e de cá prá lá, a fim de caçar sua comida e escapar dos gatos, o rato voltou para casa, exausto.
Ao passar de novo pelo jardim, viu que o caracol nãohavia se movido mais do que dois metros. Parou perto do caracol e disse:
— Tenho muita pena do senhor, Seu caracol. Leva aí uma vida tão monótona, tão sem emoções. Muito ao contrário de minha vida: vivo em um dia aventuras que o senhor não consegue ter em toda a sua existência.
O caracol, que era muito culto, respondeu:
— Emérito rato, como tenho bastante tempo para observar e refletir, permita-me oferecer-lhe alguns dados comparativos entre nossas espécies, que talvez possam ajudá-lo a rever o seu ponto de vista. Caracóis têm casa própria enquanto que os ratos são escorraçados de todos os lugares aonde chegam. Caracóis vivem em jardins e ratos, em esgotos. O alimento dos caracóis está sempre ao alcance, enquanto ratos precisam caminhar horas e horas para encontrar comida. Por isso, caracóis podem passar o dia apreciando a natureza, ao passo que os ratos não podem se descuidar um segundo sequer. Então, não é por acaso que caracóis vivem cinco anos. Dois a mais do que os ratos.
— Isso é verdade, vovó?
— Sim, Otavinho, caracóis vivem mais do que ratos.
E voltando à história:
O rato ouviu tudo com atenção. E disse:
— É, o senhor tem razão, seu caracol. Tudo o que disse é verdade.
E num repente de raiva, por não ter como argumentar com o caracol, deu uma violenta patada sobre o caracol, esmagando-o contra o chão.
—Ai, coitadinho do caracol. — Exclamou Doralice.
—Ratos, além de tudo, são ferozes. — Disse Tia Elvira.
E Vovó continuou:
— Para sorte do caracol, o solo era fofo, e ele sobreviveu.
— Ai, que alívio! — suspirou Dorinha. — Mas que história mais triste, vovó.
— Esta é uma fábula que termina com um ensinamento, com uma moral da história. O caracol aprendeu uma lição que lhe seria útil pelo resto da vida.
— Que lição é essa, Vovó?
— Por mais razão que você tenha, nunca tente provar a um gabola, a alguém que se acha o máximo, que ele não é nada daquilo de que se gaba ser. Porque não há negócio pior do que oferecer sabedoria a quem só pode pagar com ignorância.
ANTONIO ROQUE GOBBO
Belo Horizonte, 6 de fevereiro de 2013.
Conto # 771 da Série Milistórias
Inspirado em crônica de Max Geringer



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