quinta-feira, 12 de julho de 2012

XUMBREGA


     A expulsão dos holandeses, após vinte e quatro anos de domínio (entre 1630 e 1654), forjou, nos pernambucanos um sentimento de orgulho e independência com relação à Corte de Lisboa tão intenso que foi difícil de ser controlado pelos sucessivos governadores nomeados para a Capitânia de Pernambuco.
     As duas batalhas de Guararapes e os outros entreveros que levaram à expulsão dos holandeses propiciaram a criação de uma força militar que é considerada por muitos historiadores como a origem do exército brasileiro.
     Mas os governadores que o rei de Portugal impôs aos pernambucanos constituíram uma afronta aos brios dos bravos lutadores.
     — Não merecemos ser governados por gente tão incompetente, dizia a quem quisesse ouvir o líder dos revoltosos, André Vidal de Negreiros.
     Entre os ruins, o rei escolheu o pior para administrar a capitania a partir de 1661: Jerônimo de Mendonça Furtado.
     Homem irascível estabeleceu uma rede de alcoviteiros e capangas para informá-lo de todos os movimentos dos mais importantes homens de Olinda e do interior da capitania.
    Seu corpo atarracado e obeso era encimado por uma cabeça pequena e face pálida, onde se destacava um bigode cujas pontas caiam pelos canos da boca. Tal bigode, por lembrar o do general alemão Schomberg, lhe valeu a alcunha de Xumberga, e, depois, Xumbrega.
     O curto período da administração de Jerônimo de Mendonça Furtado foi um dos mais desastrosos para Pernambuco. O açúcar mascavo já não era mais tão importante no mercado da época, suplantado por um produto mais claro, produzido nas Antilhas. Pernambuco perdia importância e sua economia desandava.
     Para uns, Mendonça, Furtado para outros, o Xumbrega (para todos) alem de não ter capacidade para o cargo, aterrorizava a população. Queixar ao rei era quase que impossível e de nada estava adiantando as sucessivas nomeações régias: cada governador era pior que o anterior.
     O espírito conspiratório de quarenta dos principais homens da elite de Olinda forjou um plano para livrarem a capitânia de Xumbrega.
     Havia quaro meses que quarenta pessoas (da elite de Olinda, então capital de Pernambuco) se reuniam para vigiar os passos de Furtado, a fim de o prenderem. A dificuldade estava em pegarem o homem sem a famigerada escolta de capangas que o acompanhava onde quer que fosse.
     O Juiz Ordinário de Olinda André de Barros Rego e o vigário de Olinda armaram-lhe uma cilada.
     Era costume dos portugueses de posição elevada acompanhar o viático (sacramento da comunhão ministrado aos enfermos impossibilitados de sair de casa) quando o encontravam.
     Na tarde de 31 de gosto de 1666, simulando levar o viático a um doente, o vigário tocou o sino e convocou os fiéis (os quarenta conspiradores) para simular uma procissão do viático, que passaria nas proximidades do palácio do governador.
    Tendo saído a passeio do seu palácio, acompanhado por seus familiares, Furtado encontrou com a procissão do viático, que passava defronte o palácio. Seguindo o costume piedoso, ele deixou a família (e seus capangas) e acompanhou o viático.
    Sem perceber, o governador foi envolvido pelos quarenta conspiradores. Ao passarem pela Rua de São Bento, onde nem capangas nem a família pudessem ver o que estaria ocorrendo, se revelaram e o prenderam, conduzindo-o a um lugar secreto.
     Andre Vidal de Negreiros, líder revolucionário, que já tinha sido governador de Pernambuco, usou de sua influência e poder para manter Furtado sob sua custódia, até ser devolvido a Portugal.
     A população vibrou com o feito patriótico e saiu às ruas para comemorar, gritando, cantando e pulando ao som de improvisos, mais tarde cantados pelos repentistas em festas e feiras da capital e do sertão:
     O Mendonça era Furtado
     Pois dos paços o furtaram.
     Governador governado
     Para o Reino o despacharam.
                   A peste já se acabou
                   Alvíssaras à gente boa
                   O Xumberga embarcou
                   Ei-lo! Vai para Lisboa
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ANTONIO GOBBO
Belo Horizonte, 28 de janeiro de 2012
Conto # 711 da Série Milistórias-









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