sábado, 14 de julho de 2012

SENHA DE GUERRA


Ninguém que viveu naqueles tempos poderá negar que foram tempos muitos difíceis. Falo dos anos da segunda guerra mundial. Não, porém, para os velhos italianos, que passaram por anos terríveis quando deixaram a velha pátria e vieram para o Brasil. Agora, todos já com a família criada, (que era a preocupação maior de todos eles), viviam dias de relativa bonança, entre os filhos, netos, amigos e vizinhos.

Os idosos imigrantes reuniam-se todas as manhãs na loja de secos e molhados de Tio Gordo, ou Chico Cervejeiro, apelidos carinhosos do abastado Francisco Cúrcio, meu tio-avô, irmão que era de minha avó Beatriz. Tinham um cantinho especial pra eles, entre a primeira porta da loja e o balcão que corria o salão de um lado ao outro. Um banco de madeira e duas cadeiras de palhinha estavam reservados para eles, que chegam cedo, logo que o proprietário abria loja, pelas sete ou sete e meia.

Eram os vizinhos do quarteirão, habitado quase que totalmente pelos italianos e suas famílias. Batista Bícego, Genaro Joele, Albano Scandberg, Tonico Sateraud (era francês), Angelo Morato eram os que compareciam diariamente, fosse manhã de sol ou de chuva, dia claro ou de neblina.

E tome conversa. Scandeberg era o mais culto, lia com fluência o Fanfulla, jornal emitaliano editado em São Paulo, que recebia periodicamente. Levava os exemplares para exibir as fotos das notícias que ele traduzia para os conterrâneos.

Em 1941 a guerra recrudesceu, com a entrada dos Estados Unidos no conflito. As conversas dos frequentadores da loja tornaram-se altissonantes. Eles eram adeptos de Mussolini, Il Duce, que governava a Itália com mão de ferro e, para os velhos italianos, havia feito o país progredir.

Haviam adotado uma saudação que usavam quando chegavam à loja, ou quando se despediam, e até mesmo entre as acaloradas conversas e discussões: Il duce non sbaglia, diziam, levantando a mão, num saudação muito parecida com a dos nazistas.

Eram pacíficos, apenas entusiasmavam-se com os feitos dos patrícios, principalmente os realizados sob o comando de Mussolini — Il Duce — como a invasão da Abissínia, a solução do problema com o Vaticano, e a força dos fascistas.

“O Duce não erra!” é como se podia traduzir a saudação, a senha do grupo. Mussolini assumia o titulo de Duce, ou seja, o condutor, e era assim que eles viam o ditador da Itália.

Mas a guerra finalmente chegou às Américas e ao Brasil. Após a declaração de guerra do Brasil aos países do Eixo, uma das primeiras providências do Departamento de Informação de Propaganda (DIP) órgão de controle político de Getúlio Vargas (outro ditador), foi proibir a reunião de três ou mais estrangeiros oriundos da Itália, do Japão e da Alemanha.

Acabaram-se as reuniões dos velhos italianos na loja de Chico Cervejeiro. Pior do que isso foi, para eles, a convocação de jovens para a guerra. Pois entre os “sorteados” estavam muitos filhos deles, imigrantes, que iriam morrer em solo italiano, sacrificados numa guerra sem sentido.

Na minha lembrança permanece indelével o circulo de velhos italianos, sisudos, com longas barbas e bigodes de pontas finas e a saudação que era para eles, uma senha de guerra.

“Il Duce non sbaglia”. Ou seja, Mussolini não erra.

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 14 julho de 2012

Conto # 734 da Série Milistórias

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