sexta-feira, 20 de julho de 2012
DESCENDO AS CALÇAS
Era um rito de passagem: até os dez ou onze anos, os meninos usavam calças curtas, até os joelhos. Depois do curso primário, passava-se a usar calças compridas. Não importava a altura do garoto: até mesmo os mais altos, usavam calças pelos joelhos, sustentadas por suspensórios. Ainda posso ver na fotografia de formatura da minha turma no Grupo Escolar Campos do Amaral, as canelas de fora e os suspensórios frouxos, pois o uniforme era feito com folga, a fim de ser usado bastante tempo, numa época em que todos cresciam de verdade.
A passagem das calças curtas para compridas não era tranquila. Em primeiro lugar, como os tempos eram difíceis (diziam que eram “tempos de calças curtas”) e havia de se aproveitar ao máximo as roupas, usava-se a calça curta até que se gastassem, desbotassem ou não servissem mais. As últimas calças curtas eram usadas alternadamente com a primeira calça comprida.
Usava-se a calça comprida principalmente aos domingos, para ir à missa, às matinês do Cine Recreio ou para passear no jardim, nas noites de sábado e domingo.
Minha primeira calça comprida era parte de um terno de brim, com paletó de dois botões, na cor creme, com uns leves traços em xadrez – uma elegância.
Uma observação: porque até hoje a palavra “terno” é usada para o conjunto de paletó e calças?
E a roupa nova, guardada com cuidado e só usada nos fins de semana, era conhecida como “a roupa de ver Deus”, porque era usada principalmente para ir às missas de domingo.
Bem, voltando às calças compridas: havia sempre a gozação entre os amigos e colegas. quando um garoto aparecia usando a calça comprida pela primeira vez:
— Zezinho desceu as calças! Zezinho desceu as calças!
Ou, quando apareci no ginásio, usando pela primeira vez a calça comprida do terno creme/amarelado:
— Tuniquinho desceu as calças! Tuniquinho desceu as...
Os professores intervinham. Irmão Germano usava um apito (durante os momentos do recreio) estridente com o qual chamava atenção dos meninos que “mexiam” uns com os outros.
— Geraldo Gomes, uma falta! — e lá vinha uma penalidade pela simples brincadeira.
Entre as várias mudanças de comportamento e atitudes, havia uma peculiar, relacionada com a assistência às missas de domingo. Os bancos da igreja eram sujos nos lugares de se ajoelhar, pois os assistentes ali descansavam os pés, com as botinas e sapatos sujos de barro ou de terra. Então, tornava-se necessário levar um lenço no bolso para colocar sobre onde se ajoelhava, a fim de não sujar as calças. Era um cuidado que nem todos tinham, e o resultado era a sujeira, geralmente de terra vermelha, estampada no meio das calças compridas.
Sentia-me orgulhoso de meu terno de calças compridas, que considerava uma evolução. Por isso, estranhei muito quando vi, no “Jornal da Tela” de uma matinê de cinema, que passava antes dos filmes entre os “trailers”, cenas da invasão britânica no Norte da África, na Segunda Guerra Mundial: um general e todo o seu exército usando... calças curtas!
ANTONIO ROQUE GOBBO-Belo Horizonte, 19/julho/2012-Conto 735 da Série Milistórias
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário