terça-feira, 24 de julho de 2012

VINGANÇA APIMENTADA

Gaúchos reunidos ao redor de um bom fogo, tomando chimarrão e contando causos — eis como gosto de me lembrar de meus amigos dos pampas e das coxilhas, em amizades feitas ao longo dos anos em que viajei por aqueles rincões.

Não há limite para a imaginação nem de tempo: pitorescos causos de antanho misturados com histórias recentes, notícias estranhas ou engraçadas, fatos reais ou imaginários — tudo vale para manter a prosa e aumentar o calor humano entre os tradicionais guapos do interior do estado.

Entre as muitas histórias, ouvi contar de um caso de traição que foi tratado com invulgar habilidade, acontecido numa pequena cidade da colônia da serra, habitadas por italianos vinhateiros,

Mariana e Domingos estavam casados há mais de trinta anos e moravam tranquilos na pequena granja distante poucos quilômetros de Pastoreio do Sul. Ela fazia os serviços de toda a granja, mourejava de sol a sol ou sob a chuva ou névoa fria, a fim de arrancar da pequena propriedade o sustento da família. O marido era motorista da prefeitura, trabalhando com caminhão e passava os dias fora; chegava em casa tarde, para o banho, o jantar e o despencar pesado na cama.

Mariana ia de vez em quando à cidade, pra visitar a filha casada ou comprar miudezas para costura, quando dava dois dedos de prosa com a proprietária do armarinho, dona Helga, e com outras freguesas. Foi numa dessas ocasiões que ficou sabendo que o marido estava mantendo um caso com uma mulher

— Bah! — Disse-lhe a amiga, - Tu abre o olho, Mariana, que teu velho está te enganando.

Surpresa, Mariana não acreditou nas palavras da outra. Mas a proprietária confirmou:

— Não queria te falar, mas já que Rosa já te contou, vou te dizer. Está de caso com a Zenilda, aquela fogosa loura, que mora até vizinha de tu, ali na Barra do Ribeiro.

Barra do Ribeiro era um local onde meia dúzia de casas agrupavam-se ao redor de uma venda, com cancha de bocha ao lado, à beira do rio. O dono da venda Julio Ribeiro dava nome com seu sobrenome ao local.

Mariana voltou para casa aborrecida. Não estava disposta a perder o marido pra nenhuma vigarista, por isso tentou ser insinuante para reconquistar a exclusividade do marido - mas em vão.

Vendo que não conseguia mais os favores do marido no leito conjugal, resolveu partir para a vingança. Após contar à filha e a uma vizinha a traição de Domingos, não escondendo a dor moral de ter sido enganada, tramou um meio eficiente e que poria a loira longe do marido, sem causar-lhe mal à sua leviana pessoa.

Encontrou a arma da vingança ali mesmo, na cozinha. Algo discreto, de uso rotineiro, objeto capaz de ser escondido sob a saia. E lá foram as três procurar Zenilda.

Ao chegarem à casa da loira, uma mulher de pouco mais de vinte e cinco anos, bonita, vão entrando de supetão e gritando. Mariana imobilizou a moça, enquanto as outras duas a cobriam de tapas e safanões. As três agressoras eram fortes, musculosas, e a loira sucumbiu.

A seguir, Mariana usou a “arma” da vingança: um vidro com molho de pimenta malagueta. Imobilizada, Zenilda viu sua calcinha ser rasgada e foi forçada a fechar a boca e abrir as pernas. Mariana então aspergiu, com vigor, muitas gotas (quase meio vidro) do “tempero”, justamente naquele local do corpo da moça, que tanto prazer dava ao motorista adúltero.

Consumada a vingança, as três saíram correndo, antes que a moça pudesse tirar a mordaça da boa e gritar por socorro.

Um vizinho ouviu os gritos da loira, que mal conseguia falar:

— Me leva urgente para o hospital! Depressa, depressa!

Cabreiro, o vizinho (que já sabia do caso entre o motorista e a loira) não queria entrar na história, e chamou a Brigada, que levou Zenilda para o hospital.

Após uma lavagem ginecológica e aplicação de pomadas contra queimaduras, a moça foi levada para o exame de corpo de delito.

Um inquérito policial foi instaurado e as agressoras foram a julgamento. Mariana foi condenada a cinco meses de detenção.

— O feitiço virou contra a feiticeira. — comentou um dos presentes, após sorver um longo gole de chimarrão.

— Tchê! E Como virou. — Continuou o narrador do causo. — No final, o motorista foi viver com a loira, e a mulher legítima, além de ficar só, ainda pegou um apelido desgraçado. Lá onde mora todo mundo sabe quem é Mariana Malagueta.


ANTONIO GOBBO

Belo Horizonte, 21 de julho de 2012

Conto # 736 da Série Milistórias







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