sábado, 28 de janeiro de 2012

CARNAVAL DA ARARUTA

Foi num tempo em que o Carnaval era celebrado na pequena cidade de Ararutama com pompa e circunstância. A poma era por conta dos cinco blocos carnavalescos que desfilavam nas noites de sábado, domingo, e segunda. Na noite da terça feira, desfilava a campeã, cuja escolha ocorria em votação na terça de manhã.

A circunstância era a promoção dos bailes do clube social da cidade, que começavam às 23 horas e seguia madrugada até o raiar do dia. Nas quatro noites do carnaval. De sábado à terça feira.

Um carnaval ficou na memória do povo, como o Carnaval da Araruta. Começavam os anos de chumbo, a ditadura se fazia sentir em todas as camadas sociais, com seus regulamentos duros e agentes implacáveis.

O delegado de polícia nomeado era o conhecido na cidade como Faruta. Alto, gordo, não tinha profissão nem negócio próprio, e se dispunha a fazer qualquer serviço que exigisse um cara truculento. Na falta de alguém que se dispusesse a ser delegado sob o comando direto dos militares. E como delegado, disparou a fazer e acontecer. Regulamentou tudo, fiscalizava o que não lhe dizia respeito e até interditou o clube da cidade para os folguedos de Momo.

É que o baile se realizava no segundo andar do clube, e um boato correu segundo o qual haveria necessidade de escoramento no salão de bailes, a fim de sustentar a massa de foliões.

A diretoria do clube ficou em pânico. Não havia tempo para providenciar o tal escoramento nem havia outro lugar, um barracão sequer, onde promover os bailes de carnaval. O delegado mostrou-se implacável:

— No Clube, nem pensar! Aquilo ta tudo poder. — Dizia sem ser engenheiro nem do corpo de bombeiro.

— Quem sabe se a gente não poderia aproveitar o salão do ginásio estadual? —um dos diretores de imaginação sugeriu em uma das reuniões.

O ginásio estadual era uma construção acabada mas não estava ainda em funcionamento, que dependia ainda de atos burocráticos e de injunções políticas. Pois foi graças a um deputado estadual que se conseguiu uma autorização para o clube usar o ginásio, cujo salão de festas ou auditório, poderia ser usado para a realização dos quatro bailes.

Cioso de seu poder, o delegado Faruta entrou na história, regulamentando o horário de finalização dos bailes..

—Os bailes devem terminar às quatro da manhã, impreterivelmente. — Avisou o delegado ao presidente do clube, ao mesmo tempo em que entregava o documento que afixava o horário.

Na madrugada de domingo, o bale iniciado às 23 horas de sábado, foi encerrado na hor determinada: a banda parou de tocar, o povo já sabia do regulamento, e como eram tempos de obediência cega, saiu do salão sem reclamar. A mesma coisa aconteceu nas madrugadas de segunda, e terça feira.

O último baile, iniciado na terça e que entrou pela madrugada da quarta feira de cinzas, foi de uma animação sem fim. Os foliões queriam aproveitar o máximo da última noite.

Um pouco antes das quatro da madrugada, a diretoria levou ao delegado (que estava presente, com policiais, como em todas as noites anteriores) o pedido dos foliões para continuar a festa até as seis horas.

A resposta foi um vigoroso e sonoro “NÃO!” gritado pelo delegado Faruta, para que fosse ouvido por todos, acima do som da orquestra e do barulho da turma animada.

Então, ao badalar das quatro pancadas, a banda Pan-Americana parou de tocar, os músicos guardaram seus instrumentos e... o povo continuou no salão. Sem a marcação do ritmo das musicas carnavalescas, os foliões começaram a fazer um “trenzinho”, aquela brincadeira de um correr atrás do outro, mãos nos ombros ou nas ancas do que está na frente.

A brincadeira foi logo incorporada por todos, virou um “trenzão” que rodava pelo salão. . Mas ninguém cantava músicas de carnaval. O que se ouvia era apenas um estribilho, que começou baixo e que foi aumentando de intensidade até atingir uma altura que não se poderia imaginar.

O povo gritava assim:

ARARUTA, ARARUTA, ARARUTA

FARUTA FILHO DA PUTA
Não houve como calar a multidão. Os diretores do clube saíram de fininho e o delegado, com três meganhas, não era louco de enfrentar a aquela multidão ensandecida. Depois de alguns momentos de surpresa, também a quadrilha policial abandonou o recinto. Deixando os foliões extravasar a raiva pelo delegado... e talvez até por algo mais.

Aquele carnaval ficou registrado na memória do povo da pequena cidade como Baile da Araruta. E durante muitos anos, ainda sob o jugo da ditadura instaurada em 1964, os habitantes da cidade, quando queriam mostrar a revolta ante medidas arbitrárias das autoridades , gritavam o refrão carnavalesco:

ARARUTA, ARARUTA, ARARUTA!

Nem era preciso falar as palavras finais, que todos já sabiam.

ANTONIO GOBBO
Belo Horizonte, 20 de janeiro de 2012
Conto # 710 da série Milistórias

2 comentários:

  1. Prezado Antônio Roque Gobbo, estou conhecendo hoje esta sua página e passeando pelas outras também. Fiquei encantando! Parabéns e muito sucesso!

    Abraço!

    ResponderExcluir
  2. O que seria da nossa memória se não fossem as histórias registradas em palavras deliciosas!

    ResponderExcluir