Jeca Tatu tinha grande carinho com as pessoas, com os animais e com a as plantas. Os bichos de sua fazenda tinha nome, pelos quais Jeca sempre os chamava. No galinheiro, mandava o Carijó Valente e cada galinha tinha um apelido. No chiqueiro, idem. No rebanho de meia dúzia de vacas (Malhada, Miuda, Sossego, Nega, Branquela e Zóiuda) mandava Tucura:.
Boi miúdo, enfezado, mais parecia um gafanhoto de tão magro.Era um anti-touro: não manifestava o menor interesse pelas vacas e, por vezes, fugia de alguma mais atrevida, quando, no cio, dele se aproximava com intenções libidinosas ou reprodutoras.
Jeca entendia seus bichos e eles compreendiam Jeca. Olhando para o pequeno boi, Jeca, agora homem forte e disposto, pensava na triste sina do Tucura, cuja única atividade consistia em pastar, sem nenhuma finalidade procriativa, candidato, mais cedo ou mais tarde, a uma substituição por um touro mais capaz. Afinal, a prosperidade do antigo matuto, hoje próspero fazendeiro, não podia estacionar no que se referia à criação dos bovinos.
A afinidade entrre Jeca s seus animais era tão grande que, olhando para os olhos meigos e até submissos de Tucura, parecia estar ouvindo o boizinho dizer:
— Uai, Jeca, pruquê cê num me dá um poco desse furtificante que cê toma todo dia?
Ao ouvir a voz do animal, Jeca Tatu saiu de seu marasmo, voltou a si e respondeu:
— Cê tá certo, Tucura!. Vou te dar um pouco do fortificante que tirou daquela lazeira que eu vivia. Vai te fazer bem.
E partiu para buscar um frasco (mantinha um estoque de diversos vidros) do tal tônico.
Tucura bebeu com prazer a generosa dose e lambeu o beiço, enfiando a língua pelas fossas nasais, como qualquer bovino satisfeito.
O efeito foi imediato, Nos primeiros dias do tratamento, Tucura desandou a pastar, escolhendo as melhores touceiras de capim Jaraguá ou do gordurão.
— Puxa! Se o Tucura continuar comendo desse jeito num vai caber dentro do courame. Vai acabar estourando. — disse o Jeca à mulher, entusiasmado com o progresso do boizinho.
Com o insaciável apetite para capim, veio o despertar do interesse pelas vacas. Dentro de dois meses, já havia corrido e emprenhado todas as vacas do rebanho.
E não parou mais. Tornou-se um touro que não dava sossego para as vacas. Deu em arrombar cercas e pular valados, atravessando até mata-burros, em busca de vacas e novilhas das propriedades vizinhas. Tornou-se um problema.
As crias do rebanho de Jeca, geradas pelo Tucura, vieram fortes e com características de excelente gado: novilhas de úberes enormes, novilhos de boa envergadura, mostrando elevada linhagem. Debaixo da aparência, do porte enfezado, Tucura era um touro de raça.
A fama de Tucura correu pela região e além, e os fazendeiros passarm a trazer suas vacas e novilhas no ponto, isto é, no cio, para serem cobertas pelo raçudo pequeno touro.
<><><>
Seu Juvêncio era vizinho de Jeca. Um dia, apareceu de repente, sem avisar, puxando sua vaquinha para ser cruzada com Tocura. Jeca não estava, tinha ido à cidade tratar de negócios, mas a mulher, a esperta Maricota, não despachou o vizinho, pelo contrário, foi expedita:
— Pode por sua vaquinha aí junto com o Tucura. Eu já vou ajudar o senhor.
Abriu a porteira do curral e esperou Juvêncio a entrar com a vaquinha. E ficaram os dois ali, sentados nas tábuas do curral, olhando o touro fazer o serviço na vaquinha.
Juvêncio, homem ainda forte, ao ver a atividade do tourinho, sentiu um comichão no meio das pernas, e uma vontade louca de dar uma. Olhou para um lado, olhou para outro, ninguém à vista. Atrevidamente, perguntou à mulher do Jeca:
— Intão, dona Maricota, será que eu pudia fazer a mesma coisa que o Tucura ta fazendo?
— Uai, seu Juvêncio, claro que pode...
Ele desceu e foi se dirigindo a ela, que concluiu:
— A vaquinha num é sua? Pode fazer cum ela o que o sinhor quizé.
<><><>
Jeca Tatu viu então o grande negócio: as montadas de Tucura, como reprodutor, valiam dinheiro. Negócio organizado, passou a cobrar pelo “serviço” de Tucura, que, saciado na fome e no desejo, permaneceu dócil no curral e no pequeno pasto exclusivo.
Vinha fazendeiro de longe, com caminhão fretado, trazendo as vacas para serem emprenhadas. Eram tantos que chegavam a fazer fila na estrada, defronte à fazenda de Jeca. Tucura virou uma verdadeira máquina de fazer dinheiro!
Os vizinhos de Jeca Tatu, entretanto, não gostaram daquela movimentação de caminhões e carros e muito menos por terem de pagar, como todo mundo, pelos serviços de Tucura. Ajuntaram-se em sociedade e propuseram a compra do Tucura.
— Oia, gente, ceis num sabe do que tão falando. Num vendo o Tucura por preço ninhum do mundo. — foi a resposta de Jeca Tatu.
Depois de muita insistência e tantas outras negativas, os vizinhos (agora, com outros fazendeiros de fora da região e até um deputado federal (que se dizia pecuarista) foram em comissão ao prefeito, para reclamar:
— Olha, doutor prefeito. O Jeca não quer vender o Tucura pra nóis, os fazendeiros.
— E o que querem que eu faça? — Perguntou o prefeito.
— Aquele touro é um patrimônio do município. Não pode ficar só com o Jeca. Queremos que o senhor faça uma lei desapropriando o Tucura e colocando ele sob a guarda da Prefeitura.
Com a ajuda do deputado, a lei foi feita e votada às pressas e em menos de quinze dias, o Tucura foi expropriado.
Jeca, cidadão compenetrado de suas obrigações e deveres, não discutiu.
— A lei é dura mas é a lei — disse, quando Tucura foi levado. Mas não falou do tônico que dava todos os dias para o boi.
Tucura foi colocado numa excelente instalação: curral com chão cimentado, ração abundante, ao lado de um pasto viçoso ao lado e um local apropriado para montar as vacas.
Chegou a primeira vaca, e o Tucura a ignorou solenemente, por mais que ela se aproximasse dele.
— Deve ser muito velha, ele gosta é de coisa nova. — disseram, e trocaram a vaca por duas novilhas (como fazem certos homens com suas mulheres)..
A falta de entusiasmo do tourinho continuou. E por mais que mudassem as vacas e as novilhas, ele não cobriu nenhuma.
Os fazendeiros reclamaram ao prefeito:
— O Jeca deve ter posto algum feitiço ou macumba no Tucura.
O prefeito mandou chamar o Jeca e explicou a situação.
— Vou ver o que ta acontecendo, seu prefeito. — E lá foi o ex-proprietário de Tucura, à procura de uma explicação para a recusa de seu famosos reprodutor em fazer o que devia.
Olhando para o o boizinho, agora com ares de importante, comendo na cocheira e bebendo água fresca no tanquinho ao lado, de cimento.
— Então, Tucura, que está acontecendo? — Jeca sussurrou na orelha de Tucura.
— Num enche o saco! — respondeu agressivamente e com um olhar de desdém.
— Mas porque que ocê num quer cobrir as vacas e as novilhas? Era um serviço que você fazia tão bem, lá na fazenda.
— Agora não preciso fazer mais serviço nenhum. — Insolente foi a resposta.
— Uai, purque não
— Agora num preciso trabaiá mais. Sou funcionário público.
Jeca Tatu saiu triste do curral, pensando como é que ia explicar tudo ao senhor prefeito.
<><><>
ANTÔNIO GOBBO
Belo Horizonte, 31 de dezembro de 2011
Conto # 706 da Série Milistórias
Conto sujeito à revisão. Caso o leitor encontre algum erro (digitação, gramatical, concordância, etc.) ou incongruência na narrativa, favor avisar o autor pelo e-mail: argobbo@yahoo.com.br
terça-feira, 3 de janeiro de 2012
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário