domingo, 9 de outubro de 2011

O CAPETA NO RODAMOINHO

Hoje se fala em “lendas urbanas”. Antigamente (e põe antigamente nisso...) eram crendices e superstições. O desconhecido inspirava mais medo do que curiosidade, de onde surgiam as crenças absurdas ou ridículas. As crianças, pobres inocentes, eram as primeiras vítimas daquelas bobagens que eram passadas de boca em boca, dificilmente comprovadas ou definitivamente renegadas.

Havia uma que me inspirava pavor. Eram constantes na época da seca os redemoinhos nas ruas, praças ou em qualquer local amplo, onde as rajadas de vento giravam em movimento circular, tal qual um pequeno tufão. Uns falavam redemoinho, outros rodamoinho, mas nós, os meninos, chamávamos aquela coisa terrível de “redemunho”. Era terrível porque se alguém conseguisse entrar no centro do redemoinho, era elevado ao céu, e não voltava nunca mais. Ou se alguém jogasse jogado dentro do redemoinho um sabonete ou um pedaço de sabão, ali apareceria o capeta!

Desde sempre respeitei essas coisas, sem ter medo, mas evitando provocar qualquer situação perigosa.

— Ocê é bobo, acredita em tudo que falam. — Dizia Arthur, meu irmão mais novo, mais atrevido do que eu em todos os sentidos. Não tinha nem dez anos e vivia desobedecendo as ordens de papai e mamãe e cometendo pecados a torto e a direito.

No quintal de papai havia grande quantidade de folhas de coqueiro de indaiá, para cobrir os canteiros com plantinhas recém-transplantadas do viveiro de mudas. Com o passar dos meses, as folhas secavam e ficavam leves.

Uma tarde de verão, um rodamoinho começou a girar no quintal de casa. Corri para me esconder da poeira e do perigo de ser levado para o céu. Arthur, que se fazia de corajoso, correu até o tanque onde mamãe lavava roupas, pegou um pedaço de sabão – e jogou-o no redemoinho!

O pé de vento foi girando rapidamente na direção do monte de folhas de indaiá. Secas e leves, o vento começou a esparramar as, girando-as com força, levantando-as e jogando-as longe.

Eu vi as folhas serem levantadas para o céu, a pouca altura, na verdade. E vi quando as folhas formaram a figura do capeta. Coisa terrível! Cada folha era um braço, uma perna, a cabeça, tudo de folha de indaiá. Uma folha foi agitada e a cara do diabo emitiu uma risada horrorosa.

Aterrorizado, gritei

— É o capeta! O diabo no rodamoinho! O culpado é o Arthur!. Foi ele quem jogou o sabão no meio do redemoinho!

Foi um alvoroço. Papai veio correndo, para saber o que estava acontecendo.Mamãe também correu assustada, vindo da cozinha.

Eu insisti na gritaria:

— É o capeta! É o capeta!

Papai me puxou pelo braço, gritando mais alto ainda:

— Cala boca, Tunico! Fica quieto!

Arthur correu pra dentro de casa.

Logo, o redemoinho se desvaneceu e as folhas caíram ao chão. Muitas estavam quebradas, inúteis para a finalidade, que era cobrir os canteiros.

O susto foi grande para todo mundo. Mas sobrou castigo para nós dois.

— Arthur, que negócio é esse de jogar sabão no rodamoinho.

Soluçando, Arthur explicou:

— É que quando a gente joga o sabão, o capeta aparece.

— Que bobão! Acredita em tudo o que falam. E você, Tunico, que berreiro, tá ficando louco?

— Eu juro que vi o capeta

— Não jura em vão! É pecado – Zangou mamãe.

— Vocês são dois destrambelhados. Agora, como castigo, ajuntem as folhas de indaiá, limpem todos os canteiros e as passagens. Quero ver tudo muito limpo.

Já estava escurecendo quando voltamos ao quintal. Eu tremia de medo, pois, para mim o capeta havia aparecido, sim. Arthur não se incomodava. O castigo fora imposto e não havia como fugir.

— Seu bostinha – eu disse para Arthur, com raiva, ajuntando o que sobrara das folhas – Se você fizer isso outra vez, juro que não vou gritar pedindo socorro. Vou deixar o capeta te levar.
ANTONIO GOBBO

Belo Horizonte, 17 de fevereiro de 2011- Conto # 652 da Série Milistórias

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