Inteligente e muito bonita, acompanhou o marido na ascensão política, que o levou, na primeira eleição a que concorreu, diretamente à Câmara Federal. Faziam um casal simpático e alegre, além de elegante. Foram aceitos nos círculos mais fechados da sociedade brasiliense e não se esquivavam a convites.
Prematuramente grisalho, o deputado Marcio Scavallini cultivava barba bem aparada que cobria o rosto de modo discreto e lhe conferia mais respeitabilidade. O bigode não escondia, em momento algum, o sorriso brilhante. Os olhos claros destacavam-se na tez morena, denunciadora da origem mediterrâneo-oriental de seus antecedentes.
Linda fazia jus ao nome. Abreviara, desde os tempos do colégio, o extenso Lindaura, adotando uma forma mais apropriada aos sonhos de adolescente: ser uma mulher deslumbrante, ter muitos admiradores, casar com um “bom partido”, viajar. Carros, jóias, vestidos chiquérrimos viriam por acréscimo. Na esteira do sucesso, guarda hoje recordações da primeira colocação no concurso Miss Cidade-1980. A glória de ser escolhida a mais bela moça do ano foi um momento de felicidade imensurável. Dali pra frente, o mundo estaria a seus pés, começava a estrada que a levaria à realização de seus sonhos.
A simpatia irradiante do deputado Scavallini, mais a beleza e elegância de Linda abriram as portas da sociedade da capital federal. Destacavam-se onde quer que aparecessem. O prestígio, mais do que a competência, levou o jovem deputado ao ministério. Para Linda, foi o máximo, o auge de sua felicidade.
Aproveitando a maré de sucesso da família, a filha Lúcia resolveu se casar. O noivado já se arrastava por algum tempo e o casamento foi marcado. Convites às centenas foram expedidos a todas as autoridades do governo federal, estadual e até municipal. Embaixadores e cônsules não foram esquecidos. A ocasião foi toda de muita azáfama, correrias, arranjos mil.
— Mamãe, você convidou o Deputado Carvalhinho? E a Zuleika, da “Gazeta de Brasília?”.
— Fica fria, Lúcia, estão todos convidados. Tudo sob controle.
Semanas antes do evento, começaram a receber mensagens de felicitações e presentes. No início, Lúcia lia as mensagens, desembrulhava os pacotes, se admirava com as lembranças.
— Mamãe, veja este aqui! Que lindo! Quem mandou?
— Foi o cônsul do Uruguai. Que rico, muchachita! — Linda ajudava a filha, e curtia com ela todos os momentos de felicidade.
Os presentes foram chegando, cada vez maiores e de gente mais importante. Nos últimos dias, Lúcia não tinha mais tempo para ver todos.
— Mamãe, vai desembrulhando e olhando tudo para mim, sim?
Linda também se via cada vez mais assoberbada pelas providências, a fim de garantir o sucesso do casamento da filha. Chamou Cláudia, uma de suas empregadas:
— Você vai ficar encarregada de abrir todos os presentes, escrever, nos cartões respectivos, o nome de quem enviou.
Cláudia, cuidadosa e organizada, fez como a patroa indicou. Abria os pacotes, verificava o conteúdo e anotava no cartão do convidado remetente. Em seguida, fechava o pacote, separava o cartão e levava o embrulho para um dos quartos da mansão, destinado exclusivamente aos presentes. Tudo muito organizado, refletindo sempre a personalidade de Linda.
O casamento foi um sucesso. A cerimônia na Igreja de Dom Bosco, os vitrais azuis derramando as cores esmaecidas do entardecer sobre o altar, emocionando a noiva, a mãe e os convidados. A festa, nos salões do Clube Brasiliense, foi uma demonstração de bom gosto, capricho e elegância. Linda alcançou o clímax de sua felicidade.
Ao voltar da viagem de núpcias (antigamente chamada “lua-de-mel”), Lúcia foi residir em Curitiba, onde o marido exercia suas atividades: grande exportador de produtos industriais.
— Lúcia, é preciso que você leve os presentes para sua casa. — Linda falou diversas vezes com a filha, que não mostrou pressa na transferência de tanta coisa.
— Falei com Marcos, ele vai fretar um caminhão para trazer tudo de uma vez.
O tempo foi passando e a “sala dos presentes de Lúcia” se institucionalizou. Lúcia entregou a decoração de sua casa em Curitiba a um profissional, que nem quis saber dos presentes em Brasília.
— Vamos refazer totalmente e colocar tudo novo em sua casa, my dear.
O deputado Scavallini, firme no seu cargo de ministro, viu chegar o fim do mandato do Presidente. Candidatou-se a um cargo estadual e obteve magnífica votação.
— Querida, vamos preparando as coisas. Vamos voltar a residir em Salvador.
Por essa ocasião, aconteceu o casamento do filho do embaixador da Itália. Linda estava já na antevéspera da mudança, cabeça totalmente voltada para os quefazeres da transferência, tanta coisa pra olhar, já estou cansada, quando recebeu o convite para a cerimônia do casamento. Imperdível, mesmo para quem já estava saindo de Brasília.
Putz! Não tenho tempo pra escolher um presente para o filho do embaixador. Ah! Já sei. Vou mandar-lhe aquele faqueiro que Lúcia ganhou — de quem foi mesmo ? — no seu casamento. Ela não vai se incomodar. Aliás, ela nem sabe de todos os presentes que ganhou.
Determinou à eficiente Cláudia que achasse o faqueiro e o enviasse aos noivos. No que foi prontamente obedecida.
A festa estava no auge. Pelos jardins da mansão, convidados se encontravam, grupos formavam-se e se desfaziam continuamente. No grande salão, os convidados mais importantes permaneciam numa seleta reunião. Scavallini e Linda entre eles. A esposa do embaixador se aproximou, e na sua exuberância, cumprimentou Linda:
— Caríssima Linda! Que belo presente você mandou para os noivos! Um faqueiro de prata de Florença! Onde foi que você conseguiu aquela raridade? Igualzinho ao que mandei para Lúcia, sua filha, lembra-se?
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Antonio Roque Gobbo – Belo Horizonte – 2 de dezembro de 2002.
sexta-feira, 21 de maio de 2010
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