domingo, 9 de outubro de 2011

MILAGRE DE SANTO ANTONIO

— Não sei mais o que fazer para fisgar um bom partido. — Desabafou Marieta para a Amiga Lucélia, enquanto tomam sorvete, sentadas à mesa no calçadão da pracinha central.

— Faz promessa pra Santo Antonio. É tiro e queda.

— Chíiii. Você nem imagina quanta promessas já fiz, e ele... nada!

— Tenta mais uma vez. Dá uma ultima chance pro santo.

— Sei não...

Ao chegar em casa, Marieta abre a janela. O quarto fica no andar de cima de um sobradinho, rente à rua. Noite quente. Nenhum movimento na rua.

Marieta está nervosa. Sobre a cômoda, a imagem de Santo Antonio está como sempre, impassível aos anseios da moça.

Às vésperas de completar trinta anos, trabalha no banco há mais de dez anos, é bem apessoada, elegante e simpática. Mas não deu sorte com os poucos namorados e naquela noite pensa:

Não me conformo em ”ficar para titia”. Não me conformo mesmo. Vou ter de arrumar um jeito... qualquer jeito...

Aborrecida consigo mesmo e com o mundo, afasta-se da janela e aproxima-as da imagem de cerâmica, que deve ter uns trinta centímetros de altura. Num ato de fúria, pega o santo e o atira pela janela.

Já que nunca me ajudou a conseguir um marido, suma daqui. E já vai tarde!



— AI! AI-AI!

Alguém — uma voz de homem — gritou debaixo de sua janela. Ela se debruça sobre o peitoril e viu um homem olhando para a janela, a mão na cabeça.

— Mas que é isso? Jogando coisas pela janela? — O homem pergunta.

Aflita, não vê direito a figura que se confunde com as sombras da noite sem luar.

— Meu Deus! Que foi que eu fiz...!?

Desce correndo a escada, abre a porta e depara-se com o homem, ainda na calçada, a mão na cabeça, de onde escorre sangue.

— Ai, Meu Deus! O senhor ta machucado. Foi culpa minha. Venha, entre... me deixa fazer um curativo.

— Não, não precisa...

Um carro passa devagar. Marieta grita para o motorista:

— Por favor, me ajude. Este moço está ferido...

O carro pára. Sai um senhor, que abre a porta de trás e ajuda Marieta a sentar colocar o rapaz ferido.

Marieta é decidida e dá ordens.

— Vamos pro hospital... pro pronto socorro!

— Não precisa... — diz o ferido.

— Como não precisa? Está escorrendo muito sangue de sua cabeça.

A caminho do hospital, Marieta se apresenta e o rapaz também:

— Me chamo Último de Almeida

Que nome esquisito, pensa a moça.

No pronto-socorro, o atendimento foi rápido. Curativo, seguido de chapa de Raios-X para saber se havia fratura, injeções contra dor, antitetânica, enfim todas as providências para evitar complicações.

Último se submeteu com paciência a todo o processo, embora soubesse que não havia nada de grave. Só não gostou quando o médio ordenou que ele pernoitasse no hospital, em repouso, pra controle médico e evitar hemorragia.

— Não posso ficar aqui. Minha mãe vai ficar desesperada.

Contou então que morava com a mãe, que era viúva.

— Posso avisá-la. É só me dar o endereço. — Prontificou-se Antonieta. Sentindo-se responsável por aquela situação queria fazer de tudo para evitar transtornos ao moço.

Nas horas em que esteve no pronto socorro, Antonieta observou o rapaz: magro, alto, devia ter uns trinta, trinta e poucos anos. Não viu aliança nos dedos. Cabelos pretos, agora emplastrados pelo curativo. Olhos escuros, que pareciam estar sempre sorrindo, apesar daquela estranha situação. Rosto bem barbeado, bigode fino e dentes muito brancos, que apareciam constantemente, pois, apesar de tudo, ele mantinha uma dose de bom humor.

— Então, vou avisar sua mãe agora. Amanhã volto para te ver. Tenha bom sono. — Disse Marieta, despedindo-se de Último, já com certa intimidade.

Ao chegar em casa, já quase amanhecendo, Marieta procura e acha a imagem do Santo Antonio que atirara pela janela. Sem a cabeça. Procura mais e a encontra. Antes de ir dormir, procura o tubo de Super-bonder na geladeira e cola a cabeça no corpo, reconstituindo a imagem, que põe de novo sobre a cômoda.

Manhã seguinte, lá estava Marieta á porta do Hospital, antes das oito, mas não antes da mãe de Último. A senhora, elegante e educada, quis saber de Marieta o que havia acontecido.

— Fui a culpada. Estava aborrecida comigo mesma, e joguei pela janela uma imagem, que bateu na cabeça de Último.

— Imagem? Que imagem?

Marieta desconversou, pois não queria revelar porque jogara o Santo Antonio pela janela e a mãe de Último estava mais preocupada em levar o filho para casa, já que ele passara bem a noite e o medico havia dado alta.

O dia de trabalho na agência bancária foi enervante para a moça. Tinha feito todo o necessário para amenizar a situação. Mas sentia-se ainda culpada. Assim que encerrou o expediente, correu para a casa de Último.

Foi recebida na porta pela mãe:

— Entre, fique à vontade. Ele está na sala, descansando.

Marieta e Último se cumprimentaram. Uma faísca de um sentimento forte varreu a sala. Houve um ar de simpatia entre os dois. Marieta desculpou-se mais uma vez, enquanto ele procurou minimizar o acidente. A calma do rapaz contagiou a moça, e em pouco os dois já estavam rindo e se sentido como velhos amigos.

— Sou professor na Escola Universitas e nas horas vagas, escrevo alguns textos, poesias... Coisas sem importância.

— Você... você é... solteiro?

— Se sou solteiro? Sim, sou. Ainda não encontrei minha alma gêmea.

A visita se estendeu até pelas dez horas.

No dia seguinte, por coincidência eles se encontram na praça: ela a caminho do trabalho, ele indo para a escola. Trocam algumas palavras e ele a convida para um “cineminha” à noite. Convite aceito na hora.

À noite, após o cinema, aconteceu uma conversa amena e descontraída na sorveteria.

Nos dias seguintes, novos encontros, ocasionais ou marcados. A amizade cresceu e logo se transformou em namoro.

Alguns meses depois, casaram-se na Igreja Matriz.

— Pra mim, disse Lucélia que foi madrinha de casamento, este foi um grande milagre de Santo Antônio.

ANTONIO GOBBO
Belo Horizonte, 26 de outubro de 2010
Conto # 632 da Série Milistórias

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